Certa vez fui convidado para o casamento de uma amiga.
Que bacana, ela se lembrou de mim. Bonito isso.
Lembrou também que não tinha geladeira com freezer em inox de uma marca que eu jurava ser fabricante apenas de motores de espaçonave.
Comecei a ligar uma coisa à outra e descobri que na cotação de nossa amizade eu valia exatos R$12.500,00 – mas, nesse caso, minha consideração com juros e correção monetária poderia ser parcelada em 36 vezes de R$453,28.
Tentei descobrir porque alguém que vai morar na casa da sogra, tem um Chevette 1982 meio caidinho e pra economizar alugou o vestido de noiva, precisava de uma geladeira de inox fabricada em algum lugar que desconheço, mas sei que o melhor cliente é a NASA.
Sei lá. Deve ser porque tenho cara de otário.
Arrá... o convite anunciava uma festa.
Opa. Festa de casamento quase sempre é legal.
Digo quase sempre porque uma vez fui em uma festa onde os sogros se fecharam na porrada. Um torcia pro XV de Piracicaba e outro pro Santo André.
Onde já se viu isso. Sogro num é gente, o XV e o Santo André não são times e o pior, todo mundo sabia que o primo da noiva era o centro-avante na zaga do noivo.
Os dias foram chegando.
Pra fazer aquela presença e me preparar para os melhores pratos do banquete, avisei a noiva que o fabricante entregaria a geladeira justamente na semana do casamento.
Pusta mentira! Tenho graves problemas pra abastecer a minha geladeira comprada de segunda mão em 1992, então, porque catzo compraria uma novinha pra ela?
Mas festa é festa. Precisava ganhar tempo, então fui enrolando a moça.
Chegou o dia do casamento.
Todo mundo lá
Fui o último a chegar.
Achei estranho o cara do lado de fora da igreja com os olhos cheios de lágrimas.
Pensei, uau a mina arrasou o coração desse ai.
Entrei e sentei no ultimo banco.
Passei a observar as pessoas, o cheiro de naftalina misturado com as flores, as tias da noiva rebocadas de maquiagem e até a tia Eudósia estava firme e forte sentada em sua cadeira de rodas com os pacotes pro xixi e pro coco pendurados ao lado e a agulhinha espetada no braço para receber o soro que o sobrinho segurava de pé.
Hoje, pensando bem, não me lembro de ter visto os óculos e o aparelho de surdez.
Passei a observar as pessoas, o cheiro de naftalina misturado com as flores, as tias da noiva rebocadas de maquiagem e até a tia Eudósia estava firme e forte sentada em sua cadeira de rodas com os pacotes pro xixi e pro coco pendurados ao lado e a agulhinha espetada no braço para receber o soro que o sobrinho segurava de pé.
Hoje, pensando bem, não me lembro de ter visto os óculos e o aparelho de surdez.
A Tia Eudósia merece um parágrafo só para ela.
Eu tenho certeza que Tia Eudósia foi direto da UTI para o casamento e na volta já se hospedou no cemitério.
Coitada! Porque levaram a tia Eudosia naquele casamento? Só pode ser por economia. O padre casa a sobrinha e já dá a extrema-unção na tia.
Coitada! Porque levaram a tia Eudosia naquele casamento? Só pode ser por economia. O padre casa a sobrinha e já dá a extrema-unção na tia.
Chega a noiva.
Não entendo muito de moda, mas aquele vestido estava mais pra liquidação Fora de Estoque das Lojas Marisa que aluguel.
Ela entra, pisca pra mim, me entusiasmo com a piscadela mas ja broxo quando a vejo piscando pra todo mundo.
Descobri meses depois que era alergia ao rímel.
Começa o casamento.
O padre se esgoelando no altar sem que ninguém o entendesse.
Porque acústica de igreja sempre é horrível?
E o padre lá e povo cá. As crianças começando a bagunçar, as mães tentando manter o controle, aquele bando de homens de terno e gravata suando como se estivessem no Saara.
E o padre lá, mandando ver no sermão e o povo cá, morto de vontade de chegar na festa e pegar o primeiro copo de cerveja gelado.
Duas horas depois os noivos caminham em direção a saída.
Aleluia... deve ter acabado.
Olho para o chorão do lado de fora. Continuava com lágrimas nos olhos e em prantos me encarou e saiu correndo desembestado nem imagino pra onde.
Nunca vi um homem chorar daquele jeito. Nem quando o Corinthians caiu pra segundona vi alguém chorar daquele jeito.
Cumprimentos aos noivos e???????????????? FESTAAAAAAAAAAAAAA...
Chego ao endereço e minha decepção expõe seu lado alegre.
Quem faz festa naquele endereço não merece de jeito nenhum ganhar geladeira com motor de espaçonave!
Entro no local. Aquilo não valia nem uma geladeira de segunda mão.
Entro no local. Aquilo não valia nem uma geladeira de segunda mão.
Sento em uma mesa e fico observando as coisas.
Olho o garçom passando com uma bandeja lotada de barquinhas de maionese.
Barquinha de maionese.
Eu juro que aquelas barquinhas tinham naufragado.
Chamar aquilo de barquinha é uma afronta ate mesmo a jangada do Tom Hanks e Senhor Wilson.
Achei melhor não comer aquilo e fiquei feliz. Descobri uma semana depois que o Pronto Socorro do bairro tinha bombado por conta do Naufrágio de Maionese.
Resolvi ficar de pé. Era a única maneira de cercar um garçom.
Com muito custo peguei um copo de cerveja.... quente! Mas se beber não dirija.
Passou uma segunda bandeja e o garçom apresentou como aperitivo. Nunca tinha visto alguém oferecer aperitivo de pinga com groselha em casamento. Peguei um copo e joguei no vaso.
A coitada da plantinha deve estar de ressaca até hoje.
Aliviado por não ter comprado nem uma caixa de isopor pros noivos, quem dirá uma geladeira espacial, resolvi ir embora daquele lugar, afinal ainda dava tempo de pegar um rango na casa de algum parente.
Ao chegar na porta quem vejo em lágrimas? O chorão da igreja.
Olhei pra ele, ele olhou pra mim, olhei pra ele, ele olhou pra mim e eu olhei pra ele e de novo ele saiu correndo aos prantos.
Fiquei preocupado. Será que a treta dele era comigo?
Pô! Que chorão misterioso é esse?
Bom.
Fui embora.
Depois me perder 27 vezes até achar a Marginal Pinheiros e morto de fome, cai no sentido da casa de algum parente, nem que fosse o Ronald Mac Donald’s.
Duas semanas depois encontro a noiva-esposa-amiga e conversa vai, conversa vem, descobri que a lua de mel foi em Santos. Sabe como é né, mais barato, é logo ali.
E prosa vai e vem, pergunto se a geladeira estava funcionando bem. Tinha que fazer aquela média.
Ela responde que não havia recebido ainda. Fiquei indignado. Abri os braços, fiz uma boa cena e disse que aquilo era um absurdo, prometeram entregar naquela semana e até agora nada? Eu ia processar, eu ia morder o pescoço de alguém eu ia até as últimas conseqüências para que ela recebesse a geladeira!
Foi quando ela me disse.
Não se preocupa. Já me separei.
Pronto!
Aquela prosa chegou a patamares nunca antes imaginados.
Já separou? Porque amiga? O que foi?
Então ouvi a explicação de tudo.
Ele é gay!
Perai! Para tudo! Como assim?
Ele me deixou na lua de mel. Apareceu um homem com os olhos inchados de tanto chorar dizendo que não viveria sem ele, que se mataria se fosse pra viver sem o amor do meu marido.
E os dois foram embora.
Desde então nunca mais tive notícias.
Ela está se recuperando bem.
Trocou o Chevette 82 por um Hyunday 94 e continua morando na casa da mãe.
Dizem que tem uma Consul de 120 litros lá que é uma maravilha.
Pra mim?
Bom, pra mim sobrou a alegria de nunca ter comprado a geladeira foguete com freezer espacial.